quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Férias

O Lentes Coloridas está de férias até o dia 06/01, quando vai voltar cheio de novos contos. Um ano novo lindo para todos e até lá!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O começo do mundo

Tudo indicava que era um dia normal. E seria, se não fosse o último dia do mundo.

Quando seu despertador tocou, ele se levantou imediatamente. Em geral, teria acionado a função soneca mais umas duas ou três vezes. Mas, na data marcada para o fim do mundo foi diferente. A sua pressa nada tinha a ver com alguma pretensão de aproveitar ao máximo o último dia. Ao contrário, ele queria sofrer ao máximo o seu último dia. 

Queria pegar o ônibus irritantemente lotado para chegar já suado no trabalho que não fazia sentido nenhum para ele. Então, queria ficar ouvindo as ideias megalomaníacas de seu chefe, aquela pessoas que tinha certeza que nunca queria se tornar, e não sair para almoçar por estar atolado de trabalho. Depois, queria voltar para casa em um ônibus mais cheio ainda, comer um lanche assistindo a algum programa sensacionalista na TV e adormecer no sofá para finalmente não acordar no dia seguinte com um torcicolo, afinal o mundo teria acabado.

A repetição do sofrimento diário era um martírio, mas a sensação de encará-lo pela última era como estar no paraíso. Por isso, não perderia a chance de vivenciar o que lhe parecia ser uma deliciosa oportunidade.

Mas, não foi. Porque, como ele mesmo sabia, depois de ter acionado duas ou três vezes a função soneca de seu celular, ele acordou com o torcicolo habitual no dia seguinte. A verdade é que nunca duvidou que o mundo estaria igualzinho no dia 22. Mas, enganou a si próprio para, pelo menos por uma única vez, ter um propósito no seu dia, ainda que fosse alcançar o fim do mundo.

Então, já fazia a barba - que havia deixado por fazer no dia anterior imaginando que não tinha razão de se preocupar com questões como esta no último dia do mundo - quando, de repente, percebeu que não poderia mais aguentar aquele incômodo diário sem a perspectiva de fim. Agora que o mundo continuava a ser mundo, não tinha nada a que se apegar na certeza de que seus dias sem razão terminariam. Todas as pessoas que lotavam o ônibus, o seu cansativo chefe, o entregador de lanches, o apresentador do programa de tragédias estariam lá como todos os outros dias. A chance que tinha de abandonar aquela vida seria, então, ele mesmo deixar de estar lá.

A verdade é que tomou mais alguns meses até que ele de fato organizasse a sua vida para deixar todos estes personagens que o assombravam. Mas, foi no dia seguinte ao fim do mundo, que o seu mundo de fato começou a acabar e o novo acabou de começar.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O Museu dos Corações Partidos

Caro Curador,

Meu nome é Sandra e você não me conhece. Hoje cedo, li na internet que o Museu de Corações Partidos vai expor em São Paulo. Procurei seu contato e encontrei este endereço de e-mail. Espero que esteja atualizado e esta mensagem possa chegar a você.

Como pude ler mais cedo, o acervo do museu é composto por objetos pessoais relacionados com separações e que, além de visitar a exposição, é possível doar novos itens ao Museu. Logo ao terminar de ler a notícia, sentindo o que resta do meu coração disparar, me dei conta de que poderia se tratar de uma grande oportunidade para mim. Por isso, escrevo para te pedir um emprego na exposição. Olha, sei que você não me conhece, mas eu me adapto super bem. E também aceito qualquer função. O salário não precisa ser alto. O importante é eu estar na exposição da hora que abre a hora que fecha. Você tem alguma vaga para este perfil? Quando te explicar o motivo, vai perceber o importante papel que você pode ter na história da minha separação. É como se você fosse um re-cupido, entende?

Bom, quando ele me deixou, tudo aconteceu da forma mais díficil possível, sem razões aparentes e rapidamente. Um dia, acordamos e ele disse que precisava de um tempo para pensar na vida. Que pensasse perto de mim, ora. Não adiantou. Saiu tão apressado que deixou vários pertences aqui. Desde então, durante o último ano - 347 dias para ser exata, todas as manhãs acordo esperando que seja aquele o dia em que ele vai retornar para buscá-los, subir, tomar uma taça de vinho e nunca mais ir embora. 

Mas, hoje quando li a notícia, esta esperança minha acabou. Percebi que ele nunca vai vir por uma simples razão: ele também deve ter lido sobre o museu. Isto quer dizer que ele vai imaginar imediatamente que vou doar os seus objetos para a exposição, entende? Sei que deve estar achando o raciocínio muito astuto, mas isso só é possível porque eu o conheço melhor que ninguém neste mundo e sou capaz de prever seus passos. Bom, ao se dar conta de que eu doaria seus objetos, ele decidirá visitar a sua exposição. E, então, nos reencontraremos. Se precisar da taça de vinho neste dia, você me ajuda a arrumar? Deve ter algum café por lá, não é mesmo?

Espero sua resposta afirmativa. Em caso negativo, vou ser obrigada a doar os frangalhos que restam do meu coração para o seu acervo como última possibilidade.

Um abraço,

Sandra.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Ensaio geral.

Começou como um hobby e virou uma profissão. Nunca teve a pretensão de ser famosa nem nada - como, de fato, nunca foi. Atuava em pequenas peças. Seus personagens nunca eram centrais. Sentia-se mais confortável assim.

Ensaiava sozinha sempre. Não por opção, mas por não ter com quem fazê-lo. Sua família vivia em sua cidade natal, localizada a muitos quilômetros de São Paulo. Logo depois que se mudou, falava com sua mãe diariamente ao telefone. Sentia-se muito sozinha. Com o passar do tempo, a frequência das ligações diminuiu na medida em que a sua própria companhia começava a lhe bastar. A última vez que se falaram foi em seu aniversário, há alguns meses atrás. 

Também não fez muitos amigos. Os outros atores organizavam festas e encontros quase sempre. No começo, ela inventava desculpas para não ir, por preguiça ou timidez. Depois, começou a fazer de conta que as festas não aconteciam mais, para evitar assumir para si mesma que não era mais convidada. 

Suas personagens eram a sua principal companhia. De uma garçonete divorciada a uma amazona destemida, cada uma delas fazia com que não se sentisse sozinha. Quem ouvisse ela passando suas falas com um cigarro na mão apoiada na única janela de seu minúsculo apartamento, poderia pensar que falava sozinha. Que nada, estava sempre conversando com suas personagens.

Nos últimos meses, não foi selecionada para nenhuma peça. Sentia-se sozinha sem suas personagens. Decidiu ligar para a mãe. Já discava os números quando começou a se perguntar o que falaria para ela. Antes mesmo que pudesse se dar conta, estava encostada na janela com um cigarro na mão passando a fala da ligação. Na terceira vez que ensaiava a conversa, percebeu o que fazia. Afinal, qual era sua real versão? Teria ela virado uma de suas personagens? 

Aquele foi seu último ensaio. Voltou para sua cidade e desistiu daquela carreira. Tinha cansado da personagem que representou nos últimos meses: da atriz frustrada na cidade grande.


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Esperando

De sua casa para o aeroporto, do aeroporto para sua casa. Era assim que se sucediam os seus dias. Trabalhava há anos no balcão de embarques do aeroporto internacional de Guarulhos. Havia feito uma única viagem de avião em sua vida. Foi o suficiente para decidir que tinha medo de voar e que seu lugar era realmente atrás do balcão com os dois pés no chão. 

Costumava almoçar sozinho em uma lanchonete que dava de frente para o portão de desembarques. Seus olhos não passavam nenhuma vez nem pelo cardápio, velho conhecido seu, muito menos pelo lanche entregue pela garçonete. Comia a refeição toda observando as chegadas. Quando dava sorte, presenciava reencontros marcados por flores, beijos, lágrimas, faixas. Em outros dias, deixava a lanchonete com o estômago cheio e o coração vazio de esperança ao ver o sorriso estampado na cara da moça que desembarcou vindo do outro lado do mundo se desfazer ao reparar que quem quer que fosse que pudesse estar lá para buscá-la, não estava.

Durante um tempo, preferia disfarçar sua presença. Esforçava-se para fazer de conta que não prestava atenção no que acontecia diante do portão de desembarques. Aos poucos, foi se sentindo mais à vontade e deixava-se emocionar com o que via. Ria, sorria e as vezes até derrubava alguma discreta lágrima como se estivesse assistindo a um filme.

Nos últimos meses, seus almoços foram tomados por uma nova sensação. Estranhamente, sentia-se como se esperasse algo também, assim como o rapaz segurando um buquê de flores.Não sabia extamente o que era que despertava essa sua ansiedade. Ficava na esperança de que a resposta sairia caminhando de dentro daquele portão em sua direção para mudar sua vida, lhe entregar uma passagem para qualquer lugar, acabar com seu medo de avião e matar as saudades de algo que nunca havia tido.

De sua casa para o aeroporto, do aeroporto para sua casa. Na mesma lotação em que viajava todos os dias, a garçonete da lanchonete que dava de frente para o portão de desembarques esperava algo. Não sabia exatamente o que era, mas ficava na esperança de que a resposta entraria caminhando para dentro daquela van em sua direção para mudar sua vida.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O ciclo do esquecimento

Quando completei 30 anos, fui presenteada por minha avó com um anel que havia pertencido a minha bisavó. Coloquei a pérola no dedo e fiquei encarando ela. Como mesmo se chamava a minha bisavó? Suspendi o olhar de minha mão para o rosto de minha avó. Pensei em perguntar o nome da bisa. Voltei atrás. Imaginei que a vó poderia se ofender ao notar que a neta não sabia nem mesmo o nome da sua mãe. Aliás, seria justo aceitar um anel que foi muito importante na vida de uma pessoa que, apesar de sangue do meu sangue, era uma estranha? Fiquei confusa ao notar quão abstrata uma relação tão concreta que é a de pai e filho pode se tornar com o passar dos anos.

Tentei buscar na memória uma imagem do rosto da bisa. Já devia ter visto fotos dela em algum lugar. Visualizei em minha mente alguns rostos em preto e branco. Será que algum deles era o que buscava ou seriam apenas uma peça que meu cérebro pregava apresentando imagens de personagens de algum filme antigo? Lembro de sentir o dedo no qual o anel estava coçar. Misturado com o orgulho que tinha de ter recebido o presente, sentia uma estranha culpa. Não deveria saber mais sobre minha própria família? Será que devieria ter perguntado mais ou minha avó que havia contado pouco? Olhei para minha mão esquerda e vi minha aliança. Imaginei se me incomodaria caso minha filha presenteasse alguma neta sua que eu nunca conheceria com o anel. 

De repente, me dei conta de nossa finitude. Ora, se eu não lembrava de minha bisa, por que minha bisneta lembraria de mim? Logo, dentro de cerca de duas gerações, ninguém sequer lembraria que havia passado por esta vida. Nem mesmo saberiam meu nome. Se não fosse a família a lembrar, então quem lembraria? Senti um calafrio. Estava completando 30 anos e não sentia que havia feito nada de memorável que quebraria este ciclo do esquecimento. Sim, porque se fizesse algo grandioso, certamente seria lembrada por mais tempo. Quem sabe, seria até eternizada. Tirando e colocando o anel no dedo num ritmo nervoso, percebi que Einstein ou Charles Chaplin não precisavam de seus bisnetos para serem lembrados.

- Você não gostou do presente, minha filha? - minha vó me perguntou interrompendo o caos de meus pensamentos.

Esta era a minha chance de quebrar o ciclo do esquecimento. Podia dizer que sim, abraçar a vó e enterrar estas questões de vez. Por outro lado, poderia perguntar sobre minha bisa, ainda que tivesse vergonha de assumir que nada sabia dela. 

- Claro que gostei. Vó, me conta mais da bisa. Como ela chamava mesmo?

Foi neste dia em que soube mais sobre a bisa Ciça. Foi neste dia também em que decidi que queria ser mãe e que vocês, meus filhos, seriam o meu feito grandioso. Por isso, nunca deixem de me perguntar de meus avós. E, Luciana, não se preocupe. Um dia, quando você fizer 30 anos, este anel de peróla aqui da sua bisa Ciça vai ser seu também.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Direção

Os três eram motoristas.

Reinaldo era taxista. Seu ponto ficava no Paraíso. Vivia de papo com os seus passageiros. Adorava contar para quem quer que entrasse no seu carro sobre o dia em que levou Ronaldo, o fenomêno, no seu táxi. Fazia mistério sobre o conteúdo de sua conversa com o jogador, dizendo que sabia coisas sobre a Copa que jamais poderiam ser reveladas.  Talvez um dia este episódio estivesse contido no livro que escreveria. Alias, essa era seu sonho, escrever uma coletânea das histórias que escutou em seu táxi. Ele ganhava bem e gostava da autonomia que tinha, mas se sentia insatisfeito com algo em seu trabalho que não era apenas o trânsito infernal . Diferentemente de seus colegas que estavam juntando dinheiro, ele estava juntando histórias. Quando tivesse determinada quantia de episódios interessantes para compartilhar, largaria o táxi para dedicar a sua verdadeira vocação, segundo ele mesmo, a escrita. 

Marcos dirigia uma ambulância. Quando um dia começava, não conseguia imaginar como ele seria. Às vezes, passava horas ouvindo ao rádio com o carro estacionado na frente do hospital. Outras vezes, não conseguia nem almoçar. Já tinha anos que fazia isso, mas a cada caso de urgência que embarcava na sua ambulância, sentia seu coração vir na boca. Várias vezes, imaginou que alguém precisaria assumir a direção, porque teria um ataque do coração. Ganhava pouco. Vivia reclamando da injustiça que era o pessoal que dirige táxi tirar uma grana preta no mês, enquanto ele que salvava vidas vivia na miséria. Mesmo assim, nunca aderiu à nenhuma greve por aumentos salariais. Ora, alguém escolhe que dia vai ficar doente? Ele precisava estar à postos caso os pacientes precisassem dele. Seus colegas olhavam torto. Depois de umas duas ou três greves que deixou de participar, o clima ficou pesado. Não se dava bem com eles.. Mas, salário e colegas à parte, continuava na ambulância porque acreditava no propósito de seu trabalho.

Carlos guiava um carro funerário. Com o passar do tempo, deixou de ter a impressão de que a qualquer momento o defunto se levantaria. Pouco a pouco, começou a se apegar aos seus passageiros. Perguntava a família que tipo de música o falecido gostava e sintonizava numa rádio que achava que poderia agradá-lo. Sempre ao chegar no cemitério, sentia um frio na espinha ao pensar que aquele camarada não voltaria a ver as ruas da cidade. O trabalho fez dele supersticioso. Todo começo de dia, fazia o sinal da cruz três vezes antes de embarcar no seu carro. No final do expediente, repetia o gesto. Não sabia muito bem o motivo, mas sentia-se protegido. Se tinha medo da morte? Dizia que não. Mas, vivia contando para a esposa as mais diversas causas de mortes que havia descoberto para que eles pudessem sempre se proteger. Falava da importância de checar se o elevador estava no andar antes de entrar, de cuidar de gripes desde o começo e de usar o cinto de segurança mesmo no banco de passageiro.

Devem ter se cruzado alguma vez em qualquer marginal ou via principal da cidade na sua constante e solitária busca por uma direção.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Uma chave

De pijamas do lado de fora do pequeno apartamento, ele avisou em um tom um pouco mais alto para que ela o pudesse ouvir através da porta que o chaveiro já estava a caminho. Vestida para ir trabalhar do lado de dentro, ela suspirou e sentou-se no sofá para esperar. 

Alguns minutos antes, ele havia descido até a garagem para buscar o celular que havia esquecido dentro do carro. Como não encontrava sua chave, pegou a dela, trancou a porta e entrou no elevador. Já na hora de subir, ele que costumava ser bastante coordenado derrubou a chave no poço do elevador. Ela revirou a casa, mas também não conseguiu encontrar a chave dele. Restava-lhes esperar pelo chaveiro.

Dentro de casa, olhando para os seus próprios pés que vestiam uma sapatilha toda estampada, ficou feliz por ele não poder ver sua cara de irritação. Antes do incidente da chave acontecer, já achava que ia se atrasar para o trabalho. Agora, tinha certeza. Já estava imaginando o olhar de reprovação que receberia de seu chefe quando lhe contasse o motivo do atraso. Dificilmente ele acreditaria. Passou os olhos pelo braço do sofá. Por que mesmo tinham escolhido aquela estampa? Era cafona, lembrava algum sofá de uma casa de praia antiga de sua vó que ficava fechada o ano todo para ser usada apenas no ano novo. Respirou fundo e pôde sentir o odor de mofo do sofá de sua avó. Começou a se sentir sufocada pelo cheiro. Estava presa em sua casa e só pensava no mundo que tinha lá fora, nos passeios de bicicleta, nas fotografias de domingo, na cervejinhas servidas em uma mesa na calçada. Até encarar seu chefe parecia mais reconfortante do que ficar ali. Imaginou como sua vida seria se não saisse mais daquela casa. Pensou na casa de praia da avó para afastar o pensamento.

Fora de casa, encarando seus próprios pés que vestiam uns chinelos velhos, ficou imaginando a cara dela de irritação. Deu risada sozinho ao pensar em sua experssão assim que a porta fosse aberta dizendo que seu chefe não gostaria de seu atraso. Ficou imaginando ela esticada no sofá mexendo no seu celular enquanto esperava. Lembrou-se do dia em que compraram aquele sofá e de como apressou-se para arrematar aquele modelo quando ela disse que lembrava um sofá que sua vó tinha para agradá-la. Adorava dar presentes a ela. Começou a sentir o cheiro dela vindo de dentro da casa, aquele do óleo que usava para deixar o ondulado do seu cabelo ainda mais marcado. Tinha toda a liberdade do mundo trancado para fora de casa, mas seu mundo estava lá dentro. Abriria mão dos passeios de bicicleta, das fotografias de domingo e das cervejinhas servidas na calçada para ficar deitado naquele sofá com ela o dia todo. 

O chaveiro chegou, abriu a porta. Os cheiros de mofo e de óleo para cabelos se encontraram pela última vez. Ela decidiu que tinha que ir. Sozinho, alguns dias depois, achou a chave que não haviam encontrado no dia em que ela foi embora caída entre as almofadas do sofá.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Ponto de (des)encontro

Era um ponto de encontro. Um cantinho que parece ter sido estrategicamente desenhado para que as pessoas que por ali passassem o usassem para achar aqueles com quem tinham marcado um almoço, uma reunião, um passeio. Ficava na saída de uma estação de metrô e tinha um banquinho, ideal para o primeiro que chegasse esperar pelos próximos. 

- Onde nos encontramos, então?
- Saindo da estação, você vira a direita e vai dar de cara com um banco. Eu vou estar lá!


Não tinha erro. Era quase impossível não ver o banco. Instalado no meio de uma movimentada via paulistana, ele destoava de tudo ao seu redor por lembrar um banco de algum século anterior. Os encontros sempre funcionavam, assim como os desencontros.

Era também um ponto de desencontro. O banco muitas vezes era ocupado por aqueles que não esperavam por ninguém. Sentavam ali para descansar da caminhada, para ler um livro, para fazer hora, para atender ao celular, para ver as pessoas passarem. Ele acomodava duas pessoas confortavelmente que ficavam bem próximas fisicamente, ainda que, em geral, seguiam com pensamentos distantes.

Assim, o cantinho foi cenário dos mais diversos desencontros. Houve o dia em que foi dividido pela menina que ouvia música no Ipod enquanto pensava no roteiro de sua viagem para o Peru e o rapaz que esperava as fotos da sua ida ao mesmo destino serem reveladas em um loja ali perto. Também aconteceu de sentarem lado a lado um universitário recém vindo do interior que buscava apartamento na nova cidade e um formando que deixaria a sua república no próximo mês. O pianista e o produtor de um musical, o fotógrafo e a noiva, a mãe de gêmeos e a outra mãe de gêmeos, o viúvo e a viúva, o fã de Madonna louco para ir ao seu show e o não-tão-fã de Madonna querendo vender seu ingresso, um filho preocupado com a doença de seu pai e o paciente que havia se curado da mesma, o dono de um guarda-chuva grande e a garota que esqueceu o seu em casa em dia de chuva. Durante algum momento da história daquele banco, estes pares estiveram lado a lado.

Incontáveis ideias, ingressos, guarda-chuvas, experiências, beijos, conselhos, dicas de viagens, oportunidades ficaram por ser trocados naquele famoso ponto de desencontro da cidade.



terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Todo dezembro


Naquela manhã, a Avenida Paulista já estava decorada para o Natal. As luzes coloridas estavam devidamente instaladas nas árvores e o palco todo enfeitado com elementos verdes e vermelhos estava erguido próximo ao cruzamento com a Peixoto Gomide. No final de tarde do mesmo dia, o congestionamento já havia se formado na avenida . As estações de metrô estavam visivelmente mais cheias na região da Avenida Paulista. Havia senhorinhas andando de braços dados falando sobre como o tempo havia voado, afinal de repente já era Natal. As mães com celulares em mãos não perdiam uma pose dos seus filhos na frente das árvores que começavam a ser acesas. Em dois ou três pontos da via era possível encontrar aglomerações em torno de corais de crianças que cantavam.


Em sua casa, localizada a sete estações de metrô e uma de ônibus da avenida Paulista, Julio assistia ao noticiário pouco depois de ter se levantado. Sua mulher brincava que havia se casado com um morcego, afinal ele estava sempre acordado de noite e dormindo pela manhã por conta de seu trabalho. Calados, com  os ombros levemente encostados, eles ouviam o repórter falar sobre o trânsito que já se formava a sete estações de metrô e uma de ônibus dali. Uma criança usando um apetrecho na cabeça que lembrava orelhas de rena acompanhada da mãe - que seguia fotografando a filha - dava uma entrevista falando sobre como esperava o ano todo para ver os enfeites. Uma outra moça contava para o repórter sobre os inúmeros ensaios que havia conduzido com o coral que cantava ao fundo. Entre uma entrevista e outra, o telejornal transmitia imagens capturadas por um helicoptero da longa avenida iluminada vista de cima. Já no final da notícia, um senhor comentou sobre a mágica da época do ano, sobre as luzes, sobre as confraternizações, sobre o amor e repetiu, por fim, algo novamente sobre a mágica.

Satisfeito, Julio se levantou da poltrona e foi se trocar para mais uma noite de trabalho que começaria. Ele era um mágico e fazia parte de um grande grupo. Não era um grupo que se apresentava em circos ou em festinhas infantis, era um grupo de eletricistas. Assim como o Papai Noel na noite de Natal visita as casas quando todos dormem e não podem vê-lo, Julio instalava as luzes e enfeites pela cidade durante a madrugada.   No dia seguinte, como crianças que acordam correndo para ver o que encontrarão embaixo das árvores, os pedestres se aglomeravam nas avenidas para ver o presente que ele havia deixado. A mágica do período é tão poderosa que nem a criança com tiara de rena, nem a professora do coral sequer se davam conta de que alguém havia colocado todos enfeites ali. Era como se, de fato, tudo tivesse sido tirado de uma cartola para iluminar o último mês do ano.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Dedicatórias


Ele colecionava dedicatórias. Muito mais interessantes do que as histórias contidas nas páginas dos livros, considerava as histórias de quem tinha sido dono de cada um deles. Quando questionado sobre o motivo da excêntrica coleção, ele dizia que as histórias dos livros eram misteriosas até sua última página. Depois disso, ao acabar a leitura, estavam desvendadas. As dedicatórias não. Elas eram como pistas de uma histórias que nunca seria completamente descoberta. E era disso que gostava, de imaginar como se pareciam os autores das dedicatórias e que relação travavam com aquele que foi presenteado com o livro. Amava ainda mais os livros que tinham anotações ou frases grifadas, afinal eram outras pistas que compunham com a dedicatória e permitiam projetar ainda mais os personagens que manuseram os livros.

Aos poucos, passou a frequentar encontros de leitores nos sebos onde adquiria os itens de sua coleção. Não ia para participar de discussões, mas sim para tentar ligar as histórias imaginadas com as pessoas ali presentes. Será que aquele rapaz é o que recebeu o livro de faculdade usado anos antes por seu pai? Aquela senhora poderia ser a autora da dedicatória escrita com uma grafia semelhante àquela que se costuma encontrar em convites de casamento. Seria aquele casal o protagonista das juras de amor picantes com as quais já tinha se deparado mais de uma vez?

Os donos dos sebos queriam saber porque ele não conversava com cada uma dessas pessoas. Bastariam alguns instantes para confirmar se eram de fato os autores das dedicatórias e, mais do que isso, para ele descobrir mais sobre suas histórias. Ele sempre dava a mesma resposta:

- Você tem a oportunidade de conversar com os personagens de livros que lê? Eles deixariam de ser tão encantadores caso o fizesse.

De uns tempos para cá, ele decidiu incluir dedicatórias nos livros que dá de presente também. Sempre na contra capa, escreve algo para quem vai receber a obra. Mais escondido, atras da orelha, ele costuma deixar um recado para sua suposta metade da laranja, como ele mesmo gosta de dizer. Na história em que imaginou para si mesmo, seu grande amor é também uma colecionadora de dedicatórias que, no clímax de suas vidas, encontrará esta pista-chave para seu coração. Então, deixarão as dedicatórias, para se dedicar um ao outro.