segunda-feira, 27 de maio de 2013

Guarda-chuva

Quando as gotas que caiam do céu já não podiam ser ignoradas, abriu o guarda-chuva. Era pequeno e amarelo. Apertou o passo e foi andando, com os olhos voltados para o chão.

Mentalmente amaldiçoava uns outros pedestres que pareciam não vê-lo. Esses que não sabiam conduzir guarda-chuva e, entre um intervalo e outro, esbarravam nele. Em sua cabeça, era sempre o esbarrado e nunca o que esbarrava.

O barulho das gotinhas caindo no guarda-chuva parecia ditar o ritmo de seus pensamentos. No seu universo pessoal chovia. Os pensamentos nasciam mal-humorados embalados pela trilha sonora composta pelos pingos. A necessidade de passar no super-mercado para rechear a geladeira que já estava vazia há dias, a conta do celular, o relatório que tinha que entregar, as constantes argumentações silenciosas para justificar sua razão no episódio daquela manhã. Todos regidos pelo barulho da chuva. Apenas eram interrompidos pelos encontrões nos demais pedestres. Esbravejava. Um pouco com quem esbarrava nele, um pouco com os próprios pensamentos.

Os olhos nos pés ainda. O som parecia ter sumido. Tinha se acostumado. Os pensamentos se emaranhavam nele mesmo. Pesados, como suas roupas molhadas. Confusos.

Estava tão ocupado com eles que nem percebeu que, agora, carregava o único guarda-chuva aberto na rua. Com os olhos focados nos seus pés e pensamentos, não percebeu que há umas 4 quadras atrás a chuva parou. Muito menos que, neste momento, inclusive, abriu o sol.

Algumas vezes, é difícil enxergar para além do nosso próprio guarda-chuva.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Brechó

Tem que ser usado. Esse é o requisito básico para que algo possa fazer parte de um brechó. Não importa se é calça, se é chapéu, enfeite, sapato, bolsa, quadro. Se tiver sido usado, está valendo. E se tudo ali foi usado, quer dizer que cada um dos itens experimentou uma separação. No final das contas, o brechó é essa estranha composição de episódios de separação seguidos de novos de reconciliação. Não com o mesmo dono, mas uma reconciliação.

Aquela era uma tarde de separações e reconciliações na vida dela. Levando duas sacolas, passava no brechó para vender algumas peças com as quais não queria mais ficar. Não eram as peças, era ela. Estava diferente e elas continuavam iguais, então não estava mais funcionando.

Apresentou uma a uma ao vendedor, combinou preços e depois aproveitou para passear pelas prateleiras e conhecer os itens que passariam a fazer companhia para as suas ex-coisas. Tinha tanta coisa linda. Como é que alguém poderia se desfazer delas? Pegou um moletom cinza e checou o preço. Decidiu levar. Azar de quem tinha deixado aquela belezinha escapar. Ao pagar, ficou imaginando o dono anterior. Ficou pensando nas histórias que o moletom já tinha vivido, os lugares nos quais havia estado e como tinha sido a separação.

Saiu da loja já vestindo ele. Logo na primeira esquina, com seu moletom novo, esbarrou em um velho amor. Ele vinha acompanhado de um novo alguém. Trocaram um cumprimento tímido que não dava pista alguma sobre a história que tinham vivido, sobre os lugares nos quais haviam estado e sobre como tinha sido a separação. Continuaram seus caminhos. Ela sem suas antigas coisas, mas com seu novo moletom. Ele com seu novo amor.

Aquela era uma tarde de separações e de reconciliações na vida dela. No fim das contas, todos as tarde são um pouquinho disso.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Pipoca

Todos os dias, antes do sinal tocar, a turma já sabe que a aula está chegando ao fim. Nem precisa de relógio na sala para a agitação dos alunos guardando seus materiais começar. Tudo por causa do pipoqueiro. Ele chega todos os dias no portão da escola no mesmo horário. O cheiro de pipoca quentinha invade a sala e funciona como o soar de um cuco. 

Instantes depois do sinal, já tem fila na frente do seu carrinho. Pipoca doce, pipoca salgada, branca, rosa. Pipoca sendo vendida, pipoca sendo preparada. O carrinho nunca está vazio. Assim como o cantinho do pipoqueiro. Sempre ele está lá.

Nunca ninguém parou para pensar da onde ele vem. Será que mora ali perto? Deve ser! Dificilmente, ele conseguiria vir com o carrinho dele de muito longe. Imagine só, ele dentro de um ônibus com seu carrinho. Não ia funcionar. 

Nunca ninguém parou para pensar no motivo pelo qual ele sempre retorna para aquele ponto. É bem verdade que os clientes esperam ele por lá todos os dias. Mas, compradores de pipoca tem em qualquer escola, porta de metrô ou até de empresa. Poderia muito bem mudar de freguesia.

Ele mesmo nunca se perguntou isso. Nem nunca se deu conta do privilégio que tem de escolher se vai voltar ou não. Sua vida dentro de um carrinho, sobre rodas que permitem conduzí-la para qualquer lugar. Mas, em qualquer lugar, ele não seria o pipoqueiro que anuncia o final da aula. Sua pipoca seria pipoca e não cheiro de fim de aula, nem gostinho de volta para casa. E isso ele não quer. 

Que nem o cuco que só faz sentido se for parte da estrutura do relógio, ele só sente que faz sentido se for naquela esquina. E, por isso, ele sempre volta.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Especial dia das mães

Dia das mães é dia de amor. 

Para celebrar esse amor, o Lentes Coloridas fez uma parceria com a linda loja de presentes Graviola - www.graviola.art.br - e com a amiga e super artista Beatriz Bouskela. Juntas, criamos 3 cartões para rechear essa data de ainda mais sentimentos gostosos. Cada um deles traz uma ilustração exclusiva feita pela Bia e um conto aqui do Lentes Coloridas escrito especialmente para essa ocasião! Nos três posts abaixo, você pode conferir os textos e suas respectivas ilustrações! 

Gostou? Então, para comprar um para sua mãe, aqui vão algumas opções:

1. Você pode me deixar um comentário por aqui com seu nome, contato por e-mail e qual cartão gostou mais;
2. Você pode escrever uma mensagem na Fanpage do Lentes Coloridas com essas informações (http://www.facebook.com/bloglentescoloridas);
3. Você pode comprar pela querida loja Graviola ( http://www.graviola.art.br/postal-dia-das-maes )

Cada um deles custa R$ 15,00 e será impresso em um estilo parecido com um cartão postal, a ilustração linda de um lado e o texto do outro!

Beijos e boa semana para todos!

Memórias - Especial dia das mães


Estranho pensar que há uma época de nossas vidas da qual não temos memórias. Aparentemente, não há muito consenso sobre isso. Alguns pesquisadores dizem que as pessoas começam a se lembrar dos fatos que vivenciaram desde quando têm 1 ano. Outros afirmam que leva mais tempo, pois os ocorridos apenas ficam marcados em nossa mente quando completamos o segundo ano de vida.

Se dependesse de nossos cérebros, não teríamos contato algum com muitas das nossas memórias mais antigas. A primeira palavra, a primeira refeição, o primeiro aniversário, o primeiro dente. Tudo isso estaria perdido, solto no tempo, desconectado de nós. Mas, não está. Em muitos casos, por causa dela, que dá sentido a essas memórias e trata de registrá-las cuidadosamente, nossa mãe.

Como que num passe de mágica, elas fazem todas as pesquisas e teorias sobre a memória cairem por terra. Nossas mães são, desde o primeiro dia, as nossas lembranças. Guardam cada acontecimento nosso tão vivo dentro delas que ao compartilhar são capazes de criar a sensação de que lembramos de cada episódio narrado. Quando falam para o filho sobre a primeira vez que deu um sorriso ou que disse uma palavra, por exemplo, parecem transportá-lo no tempo para diante daquela cena. E, então, pronto. A história vira lembrança. Ou a lembrança vira história, a nossa história. Nem os pesquisadores podem dizer muito bem ao certo.

Não há nada tão pessoal quanto a nossa memória. Apenas uma coisa: a missão de ser guardiã da memória de alguém que ainda não pode lembrar. Cuidar de cada uma das recordações com carinho, transformá-las em álbuns de fotografias, em vídeos – alguns ainda em VHS -, em noites de histórias, em brinquedos guardados, em desenhos enquadrados. Elas não perdem nada. E, assim, se tornam a eterna conexão entre nosso começo, nosso meio e fim.

Mundo encantado - Especial dia das mães


Não eram raras as tardes de domingo em que delicadamente sentava-se na frente da mãe que assistia à algum filme ou lia uma revista qualquer e a encarava. Ficava em silêncio, até que ela a reparasse. Às vezes, levava alguns minutos. Então, quando os olhares se encontravam, abria aquele sorriso pidão que ambas sabiam muito bem o que queria dizer.

Sem dizer nenhuma palavra, a mãe levantava e ia junto com a filha para perto do armário. A menina sorria como se estivesse diante de algum mundo encantado, desses que apareciam nas histórias que ouvia antes de dormir. Esticava o bracinho e apontava para os pares de sapato com os saltos mais altos, os colares de perólas, os batons avermelhados e alguma saia que lhe serviria como vestido. No seu mundo encantado, a mãe era a princesa e ela queria, por alguns instantes, se sentir como tal.

Colocava um pé de cada sapato, saía caminhando toda desajeitada e ia mostrar para o pai. Voltava e se enchia de colares. Entre uma escolha e outra, tinha oportunidade de ouvir a história de quando a mãe ganhou cada uma das jóias. Foi assim que conheceu episódios sobre a festa de 15 anos da mãe ou do seu avô que era ourives. O batom todo borrado registrava um beijo sorridente de agradecimento no rosto da mãe depois que já tinha voltado a colocar o seu próprio pijama.

Hoje, anos depois, a filha virou mãe. Empresta as suas coisas para a sua pequena. Entre um colar e uma saia, aproveita para contar as histórias da sua mãe, agora avó. Um passeio rápido pelo tempo por meio daquele armário encantado. Ao olhar a sua filha vestida de gente grande, se pega muitas vezes pensando como gostaria, por alguns instantes, de caber nas suas roupinhas e terminar o dia com a cabeça deitada no colo da sua mãe ouvindo uma história sobre uma princesa em qualquer mundo encantado.

Vendinha - Especial dia das mães


Aquele era um dia no qual ele costumava ter muito trabalho. Apesar de ser domingo, acordava cedo, tomava um café reforçado e corria para sua vendinha. Fazia os últimos acertos na disposição dos produtos, levantava a porta verde e esperava a chegada do primeiro cliente. Não demorava muito e o movimento começava. Depois do primeiro, rapidamente já surgiam o segundo e o terceiro clientes.

Sua loja era de flores. E aquele domingo era de dia das mães. Apesar do grande fluxo de pessoas na loja, ele fazia questão de conversar com cada cliente que passava por ali e, depois de escolhido o arranjo, encontrar um espacinho para que escrevesse um cartão para acompanhar o buquê.

Passava todo tipo de gente por ali. Tinha pai que estava escolhendo as primeiras flores que a esposa ganharia na vida em um dia das mães. Como seus filhos ainda eram bebês, representavam eles que ainda não sabiam escolher o presente. Havia também os filhos que compravam dois ou três buquês. Contrariando a ideia de que só temos uma mãe, levavam rosas para suas mães e avós. Alguns, decidiam presentear inclusive suas sogras. Tinha filho único e filhos que vinham em bandos com os irmãos. Esses demoravam para escolher se a mãe gostaria mais do copo de leite ou das flores do campo. Alguns clientes gostavam de saber do significado das flores. Outros já chegavam e pediam logo as que sabiam ser as preferidas das suas mães.

Cada um desses visitantes levava as flores, mas deixava algo por ali. No fim do dia, quando não havia mais  ninguém, caminhava entre as prateleiras sentindo o espaço de sua pequenina venda preenchido pelo amor transbordado pelas dezenas de filhos que estiveram por ali. Misturado com o cheiro das flores, podia respirar um aroma de afeto espalhado por eles. Quase podia enxergar a energia positiva que pairava no ambiente. Aproveitou, então, para contribuir um pouquinho com essa atmosfera. Montou seu último arranjo. Doze rosas colombianas. Fechou a loja e foi encontrar a sua mãe. Ela foi presenteada com aquele arranjo que acumulava, entre seu laço de fita e as suas pétalas, esse astral delicioso de loja de flores em dia das mães.