segunda-feira, 22 de julho de 2013

Na mesa #2

Era terça-feira e o relógio estava próximo de marcar três horas naquela tarde de garoa. As cinco senhorinhas se apertavam na mesa para quatro pessoas. As taças de vinho, bebida escolhida no lugar das usuais xícaras de café, também disputavam espaço na mesinha. Não era nenhuma celebração especial, mas no começo do papo, quando uma delas comentou sobre uma visita recente ao médico em que ele lhe comentou sobre os benefícios cardíacos que uma taça de vinho poderia trazer, lhes pareceu que não seria uma má ideia investir em seus corações.

Aquele encontro era uma tradição do grupo que se conhecia fazia mais de vinte anos. Despretenciosamente, certa vez, uma delas sugeriu que se encontrassem mensalmente num mesmo horário e local. Nem precisariam se telefonar nem nada, bastava aparecer. Quem pudesse estar presente, estaria ali. O local escolhido foi aquele café. 

A tradição, que antes acontecia no primeiro sábado de cada mês, demorou para vingar. Sabe como é, era o dia para ficar com os filhos, curtir o marido, comprar alguma coisa para casa ou visitar os pais. Mas, com o passar dos anos os filhos cresceram, alguns casamentos acabaram, os pais se foram. Já com mais de 60 anos de idade, passaram a fazer o encontro nas tardes de terça-feira.

Entre um gole e outro do vinho, naquela tarde, falaram sobre algumas preocupações com os filhos, mostraram fotos dos netos em seus celulares e comentaram sobre algumas situações de antigamente. Carinhosamente, referiam-se a si mesmas se chamando de meninas, como sempre fizeram. Trocaram algumas dicas sobre Praga, já que uma delas passaria uns dias por lá no próximo mês. Lembraram de mais algumas situações de antigamente.

Algumas horas depois, se levantaram e se abraçaram uma a uma na despedida. Aquele abraço familiar, nostálgico. Decidiram que, naquele mês, não esperariam o próximo mês para se encontrar novamente.

domingo, 21 de julho de 2013

Na mesa #1

Em um café aconchegante, as mesas são cobertas por toalhas quadriculadas de dois tons de azul com branco. Uma delas fica especialmente situada no fundo do café. Se por um lado não tem o privilégio de ser banhada pela luz do sol que ilumina as que ficam mais próximas da porta, é compensada pelo delicioso cheiro de café por ficar do lado da máquina onde é preparado. É também a que está mais pertinho de uma vitrine recheada de doces coloridos. Tortinhas, bolos, macarrons, mil folhas, quindins. 

Dia após dia, ela acolhe diversos papos. São casais, famílias, colegas de trabalho, amigos. Por acaso, sentam-se exatamente naquela mesinha. Alguns passam rápido, outros passam um tempo. Tem quem venha fazer o café da manhã e quem busque se esquentar com uma xícara de cappucino no final da tarde. Quando vão, não deixam pista alguma. Provavelmente, nunca se conhecerão. Seus caminhos se cruzaram apenas por conta de um elemento: aquela mesa.

A partir de hoje, uma série de contos sobre quem passa por essa mesa começa aqui no Lentes Coloridas. Para serem identificados, sempre terão o mesmo título: Na mesa, como nesse post. Cada um será seguido de um número para ser diferenciado dos demais.

Amanhã, o primeiro deles estará por aqui. Tragam suas xícaras de café e venham fazer companhia para quem, por acaso, se sentar na mesa.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Aliança

Abriu a porta, entrou em casa e deu logo de cara com ela sentada no sofá. Estava apoiada em cima de um de seus pés com o controle remoto na mão apontado para a TV. Logo que o viu, deixou o controle de lado e o chamou para sentar do seu lado.

O barulho da TV lhe soava alto e o cheiro dela indicava que havia saído do banho a pouco. Passou o dia inteiro pensando na versão da história que contaria. Respirou fundo e antes que ela reparasse começou a falar.

Contou que foi sem querer, mas que tirou a aliança do dedo quando foi lavar a mão na padaria em que almoçou e que deve ter esquecido ela na pia. Explicou que se deu conta quando estava no caixa, mas que já era tarde demais, ela não estava mais onde havia deixado.

A expressão dela mudou. Franziu a testa e esticou a perna sobre a qual estava sentada. Começou a falar como se vírgulas não existissem, como se não fosse preciso tomar ar. Foi ficando vermelha conforme ia enumerando os motivos pelos quais não poderia acreditar naquela versão. A voz ia se misturando com as que vinham da TV que seguia ligada. Ele não conseguia se concentrar em nenhuma das duas falas.

Ele tentava argumentar, mas parecia que cada resposta que dava funcionava como mais combustível para ela. Ia emendando uma palavra na outra. Ela não respirava entre as frases. Ele não respirava de medo. Ela não acreditou nele. Mandou ele embora.

E foi assim que aquela noite terminou. Em um ponto da cidade, ela rolando sozinha na cama que era dos dois. Em outro, ele encarando o teto da casa do amigo deitado no sofá da sala. Em um terceiro, uma senhora sentada em sua poltrona sem conseguir dormir, pensando em como encontraria o dono da aliança que sua neta havia pegado na pia da padaria onde almoçaram naquela tarde.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Caleidoscópio

A realidade é vista de um único ponto.

A vista é um único ponto da realidade.

É vista de um único ponto a realidade.

A realidade é um ponto de vista único.

De um único ponto é vista a realidade.