segunda-feira, 11 de março de 2013

Sapatos


Sapatos sociais, tênis de corrida, saltos altos, chinelos se cruzavam misturando a calma e a pressa que podem mover um paulistano em uma manhã de segunda-feira. A avenida era barulhenta o suficiente para ser impossível ouvir o som dos incontáveis passos que a cobriam. Bem ali, no meio daquele emaranhado de pernas, havia um rapaz deitado, dormindo na calçada.

Tão claramente visível e tão evidentemente ignorado ao mesmo tempo. Os pés, que pareciam fazer uma dança ensaiada, desviavam para não pisar nele, como o fariam se houvesse um buraco ou qualquer outro obstáculo em seu caminho. Alguns abaixavam os olhos e observavam de relance o homem adormecido. Outros, decerto já bem experientes na vida de cidade grande, desenvolveram uma habilidade que lhes permitia desviar sem nem ter que encará-lo diretamente.

O rapaz, que usava o braço como travesseiro, parecia mais uma extensão da calçada. Algo que sempre esteve ali, como um prédio ou telefone público. Imaginar sua história, da onde veio, o que fazia ali, os motivos pelos quais havia escolhido aquele canto para se deitar seria desagradável demais. E de desconfortável, já eram suficientes os saltos altos e binos ficos dos sapatos.

No final da manhã, o rapaz acordou, levantou-se e saiu andando. Passou a fazer parte da dança de pés que acontecia na avenida. Era o único que estava descalço, sentindo o calor absorvido pelo asfalto nas solas dos seus pés. Poderia ser um detalhe sem importância. Mas, não era. Afinal, desde quando os donos dos pés calçados perderam a capacidade de ver quem anda descalço?

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