sexta-feira, 19 de abril de 2013

Certeza

E quando ele morreu tudo virou suas últimas palavras. Cada um dos queridos amigos ficava nostalgicamente retomando a última conversa, o último encontro e o último abraço. Falavam com carinho e lágrimas sobre os fatos que lembravam como sendo os derradeiros.

Muitos dos episódios que eram revividos vinham acompanhados de um comentário envolto em um sútil tom de premonição que era mais ou menos assim:

- Engraçado, parecia que ele sabia que ia morrer.

O jeito como disse que amava a irmã ao desligar a última ligação. A maneira como veio mostrar para a esposa aquela foto antiga do filho pequeno com os olhos cheios de saudades. O estranho desejo de comer brigadeirão, seu doce predileto, no último mês. A reconciliação com o pai com quem não falava fazia um tempo. A viagem para o Marrocos no semestre anterior que sempre foi um sonho. A tatuagem no braço, a coleção de discos de vinil, o presente para o filho. 

Por tudo isso, diziam que possivelmente ele sabia que ia morrer. Mas, afinal, o que fazemos na vida sem saber que vamos morrer? Por vezes, escondemos essa ideia por trás de um pensamento bom que invocamos rapidamente em nossas mentes para evitar o enfrentamento dela. Mas, sabemos. Na hora de escovar os dentes, na hora de embarcar no avião, na hora de uma entrevista de emprego, quando casamos, compramos um cachorro ou ligamos para reclamar da conexão da internet. Pode ser que não tão escancaradamente, mas sempre sabemos.

Foi quando alguém se deu conta disso que concluiram, deixando o enterro, que a vida, no fim das contas, é o conjunto dessas coisas que fazemos apesar de saber que vamos morrer. Perceberam que não se tratava do fato de que ele sabia que ia morrer e sim da certeza de que estava vivendo.

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