quarta-feira, 24 de abril de 2013

Palavras caladas


Naquele país, ninguém falava. Ali, a voz não era necessária para se fazer entender. E a comunicação funcionava muito bem.

Todos os habitantes do país tinham sempre um caderninho e uma caneta à mão. Ao passar em frente a um restaurante, por exemplo, era possível ver as mesas cobertas de folhas e anotações. Um contava para o outro do seu dia, dos seus sentimentos e as novidades por meio da escrita. Vai ver que era por isso que havia menos desentendimentos. A nossa língua dá menos tempo para pensarmos do que as nossas mãos. Assim, as pessoas ponderavam mais sobre o que deviam dizer quando estavam com a caneta em punho.

Se contrapondo a escrita estavam as sobrancelhas. Se por um lado, ao escrever podia-se escolher com mais cuidado e calma o que se ia dizer, o movimento das sobrancelhas era tão ágil quanto o da palavra falada. Eram aqueles montinhos de pêlo sobre os olhos da onde, juntamente com as gargalhadas e lágrimas, transbordavam sua espontaniedade. Os habitantes do tal país conheciam melhor do que ninguém o poder das sobrancelhas.

Nesse país, não havia economia de sorrisos. Se fosse possível fazer uma equivalência, o sorriso seria o muito obrigado naquele país. Se alguém abria uma porta para um desconhecido, levantava no metrô para um senhorzinho se sentar ou pagava qualquer coisa com dinheiro trocado logo era recompensado com um sorriso. Não era algo que os pais precisavam ensinar para as crianças como o fazem aqui onde falamos. Não tinha essa história de palavrinhas mágicas. O sorriso era natural. Como não oferecer um diante das gentilezas dos demais habitantes?

Os abraços eram abundantes também. Sabe aquela sensação de ganhar um presente especial e não saber nem o que dizer para agradecer quem nos presenteou? Isso não existia. O negócio era logo apertar o outro e fazer ele se perder naqueles braços. A falta das palavras ditas fez com que se desenvolvesse tipos diferentes de abraço. Lá, os habitantes eram capazes de reconhecer o abraço que é para dar bom dia, daquele que desejava boa viagem do que era para pedir desculpas.

Outro dia, misteriosamente, as pessoas começaram a falar naquele lugar. Sabe do mais engraçado? Andam dizendo por ali que vão precisar inventar um dicionário todo novo para conseguir fazer o som falar tanto quanto consegue fazer o olhar.

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