segunda-feira, 27 de maio de 2013

Guarda-chuva

Quando as gotas que caiam do céu já não podiam ser ignoradas, abriu o guarda-chuva. Era pequeno e amarelo. Apertou o passo e foi andando, com os olhos voltados para o chão.

Mentalmente amaldiçoava uns outros pedestres que pareciam não vê-lo. Esses que não sabiam conduzir guarda-chuva e, entre um intervalo e outro, esbarravam nele. Em sua cabeça, era sempre o esbarrado e nunca o que esbarrava.

O barulho das gotinhas caindo no guarda-chuva parecia ditar o ritmo de seus pensamentos. No seu universo pessoal chovia. Os pensamentos nasciam mal-humorados embalados pela trilha sonora composta pelos pingos. A necessidade de passar no super-mercado para rechear a geladeira que já estava vazia há dias, a conta do celular, o relatório que tinha que entregar, as constantes argumentações silenciosas para justificar sua razão no episódio daquela manhã. Todos regidos pelo barulho da chuva. Apenas eram interrompidos pelos encontrões nos demais pedestres. Esbravejava. Um pouco com quem esbarrava nele, um pouco com os próprios pensamentos.

Os olhos nos pés ainda. O som parecia ter sumido. Tinha se acostumado. Os pensamentos se emaranhavam nele mesmo. Pesados, como suas roupas molhadas. Confusos.

Estava tão ocupado com eles que nem percebeu que, agora, carregava o único guarda-chuva aberto na rua. Com os olhos focados nos seus pés e pensamentos, não percebeu que há umas 4 quadras atrás a chuva parou. Muito menos que, neste momento, inclusive, abriu o sol.

Algumas vezes, é difícil enxergar para além do nosso próprio guarda-chuva.

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