sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Direção

Os três eram motoristas.

Reinaldo era taxista. Seu ponto ficava no Paraíso. Vivia de papo com os seus passageiros. Adorava contar para quem quer que entrasse no seu carro sobre o dia em que levou Ronaldo, o fenomêno, no seu táxi. Fazia mistério sobre o conteúdo de sua conversa com o jogador, dizendo que sabia coisas sobre a Copa que jamais poderiam ser reveladas.  Talvez um dia este episódio estivesse contido no livro que escreveria. Alias, essa era seu sonho, escrever uma coletânea das histórias que escutou em seu táxi. Ele ganhava bem e gostava da autonomia que tinha, mas se sentia insatisfeito com algo em seu trabalho que não era apenas o trânsito infernal . Diferentemente de seus colegas que estavam juntando dinheiro, ele estava juntando histórias. Quando tivesse determinada quantia de episódios interessantes para compartilhar, largaria o táxi para dedicar a sua verdadeira vocação, segundo ele mesmo, a escrita. 

Marcos dirigia uma ambulância. Quando um dia começava, não conseguia imaginar como ele seria. Às vezes, passava horas ouvindo ao rádio com o carro estacionado na frente do hospital. Outras vezes, não conseguia nem almoçar. Já tinha anos que fazia isso, mas a cada caso de urgência que embarcava na sua ambulância, sentia seu coração vir na boca. Várias vezes, imaginou que alguém precisaria assumir a direção, porque teria um ataque do coração. Ganhava pouco. Vivia reclamando da injustiça que era o pessoal que dirige táxi tirar uma grana preta no mês, enquanto ele que salvava vidas vivia na miséria. Mesmo assim, nunca aderiu à nenhuma greve por aumentos salariais. Ora, alguém escolhe que dia vai ficar doente? Ele precisava estar à postos caso os pacientes precisassem dele. Seus colegas olhavam torto. Depois de umas duas ou três greves que deixou de participar, o clima ficou pesado. Não se dava bem com eles.. Mas, salário e colegas à parte, continuava na ambulância porque acreditava no propósito de seu trabalho.

Carlos guiava um carro funerário. Com o passar do tempo, deixou de ter a impressão de que a qualquer momento o defunto se levantaria. Pouco a pouco, começou a se apegar aos seus passageiros. Perguntava a família que tipo de música o falecido gostava e sintonizava numa rádio que achava que poderia agradá-lo. Sempre ao chegar no cemitério, sentia um frio na espinha ao pensar que aquele camarada não voltaria a ver as ruas da cidade. O trabalho fez dele supersticioso. Todo começo de dia, fazia o sinal da cruz três vezes antes de embarcar no seu carro. No final do expediente, repetia o gesto. Não sabia muito bem o motivo, mas sentia-se protegido. Se tinha medo da morte? Dizia que não. Mas, vivia contando para a esposa as mais diversas causas de mortes que havia descoberto para que eles pudessem sempre se proteger. Falava da importância de checar se o elevador estava no andar antes de entrar, de cuidar de gripes desde o começo e de usar o cinto de segurança mesmo no banco de passageiro.

Devem ter se cruzado alguma vez em qualquer marginal ou via principal da cidade na sua constante e solitária busca por uma direção.

Um comentário:

  1. O Gato de Schrödinger – ou melhor, "O gato dos motoristas"!

    Meu Deus! E se o taxista Reinaldo sofresse um acidente, fosse socorrido pela ambulância de marcos, e por fim terminasse no carro funerário de Carlos. Será que ele teria morrido? Não! Nenhuma certeza é possível, eu apenas diria que eles se encontraram de alguma forma...

    ResponderExcluir