segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O ciclo do esquecimento

Quando completei 30 anos, fui presenteada por minha avó com um anel que havia pertencido a minha bisavó. Coloquei a pérola no dedo e fiquei encarando ela. Como mesmo se chamava a minha bisavó? Suspendi o olhar de minha mão para o rosto de minha avó. Pensei em perguntar o nome da bisa. Voltei atrás. Imaginei que a vó poderia se ofender ao notar que a neta não sabia nem mesmo o nome da sua mãe. Aliás, seria justo aceitar um anel que foi muito importante na vida de uma pessoa que, apesar de sangue do meu sangue, era uma estranha? Fiquei confusa ao notar quão abstrata uma relação tão concreta que é a de pai e filho pode se tornar com o passar dos anos.

Tentei buscar na memória uma imagem do rosto da bisa. Já devia ter visto fotos dela em algum lugar. Visualizei em minha mente alguns rostos em preto e branco. Será que algum deles era o que buscava ou seriam apenas uma peça que meu cérebro pregava apresentando imagens de personagens de algum filme antigo? Lembro de sentir o dedo no qual o anel estava coçar. Misturado com o orgulho que tinha de ter recebido o presente, sentia uma estranha culpa. Não deveria saber mais sobre minha própria família? Será que devieria ter perguntado mais ou minha avó que havia contado pouco? Olhei para minha mão esquerda e vi minha aliança. Imaginei se me incomodaria caso minha filha presenteasse alguma neta sua que eu nunca conheceria com o anel. 

De repente, me dei conta de nossa finitude. Ora, se eu não lembrava de minha bisa, por que minha bisneta lembraria de mim? Logo, dentro de cerca de duas gerações, ninguém sequer lembraria que havia passado por esta vida. Nem mesmo saberiam meu nome. Se não fosse a família a lembrar, então quem lembraria? Senti um calafrio. Estava completando 30 anos e não sentia que havia feito nada de memorável que quebraria este ciclo do esquecimento. Sim, porque se fizesse algo grandioso, certamente seria lembrada por mais tempo. Quem sabe, seria até eternizada. Tirando e colocando o anel no dedo num ritmo nervoso, percebi que Einstein ou Charles Chaplin não precisavam de seus bisnetos para serem lembrados.

- Você não gostou do presente, minha filha? - minha vó me perguntou interrompendo o caos de meus pensamentos.

Esta era a minha chance de quebrar o ciclo do esquecimento. Podia dizer que sim, abraçar a vó e enterrar estas questões de vez. Por outro lado, poderia perguntar sobre minha bisa, ainda que tivesse vergonha de assumir que nada sabia dela. 

- Claro que gostei. Vó, me conta mais da bisa. Como ela chamava mesmo?

Foi neste dia em que soube mais sobre a bisa Ciça. Foi neste dia também em que decidi que queria ser mãe e que vocês, meus filhos, seriam o meu feito grandioso. Por isso, nunca deixem de me perguntar de meus avós. E, Luciana, não se preocupe. Um dia, quando você fizer 30 anos, este anel de peróla aqui da sua bisa Ciça vai ser seu também.

2 comentários:

  1. No futuro haverá muito mais que objetos e fotos antigas para relembrar pessoas que se foram, mas também haverá mais pressa; e se não for uma atitude, sem medo e vergonha, de pedir para pessoas que vivenciaram o passado nos contar mais sobre ele, o ciclo do esquecimento não será interrompido.

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  2. Isso me fez lembrar... quando criança gostava de ouvir pessoas mais velhas contando sobre o passado que vivenciaram. Era muito gratificante, sentia um profundo respeito pelo que contavam. Isso me faz pensar que não existe tecnologia que possa reproduzir esses momentos. Sem dúvida, por mais que o mundo evolua, a história contada por parte dessa história, sempre nos parecerá mais próxima, porque não dizer: mais conhecida de nós mesmos.

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