quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O Museu dos Corações Partidos

Caro Curador,

Meu nome é Sandra e você não me conhece. Hoje cedo, li na internet que o Museu de Corações Partidos vai expor em São Paulo. Procurei seu contato e encontrei este endereço de e-mail. Espero que esteja atualizado e esta mensagem possa chegar a você.

Como pude ler mais cedo, o acervo do museu é composto por objetos pessoais relacionados com separações e que, além de visitar a exposição, é possível doar novos itens ao Museu. Logo ao terminar de ler a notícia, sentindo o que resta do meu coração disparar, me dei conta de que poderia se tratar de uma grande oportunidade para mim. Por isso, escrevo para te pedir um emprego na exposição. Olha, sei que você não me conhece, mas eu me adapto super bem. E também aceito qualquer função. O salário não precisa ser alto. O importante é eu estar na exposição da hora que abre a hora que fecha. Você tem alguma vaga para este perfil? Quando te explicar o motivo, vai perceber o importante papel que você pode ter na história da minha separação. É como se você fosse um re-cupido, entende?

Bom, quando ele me deixou, tudo aconteceu da forma mais díficil possível, sem razões aparentes e rapidamente. Um dia, acordamos e ele disse que precisava de um tempo para pensar na vida. Que pensasse perto de mim, ora. Não adiantou. Saiu tão apressado que deixou vários pertences aqui. Desde então, durante o último ano - 347 dias para ser exata, todas as manhãs acordo esperando que seja aquele o dia em que ele vai retornar para buscá-los, subir, tomar uma taça de vinho e nunca mais ir embora. 

Mas, hoje quando li a notícia, esta esperança minha acabou. Percebi que ele nunca vai vir por uma simples razão: ele também deve ter lido sobre o museu. Isto quer dizer que ele vai imaginar imediatamente que vou doar os seus objetos para a exposição, entende? Sei que deve estar achando o raciocínio muito astuto, mas isso só é possível porque eu o conheço melhor que ninguém neste mundo e sou capaz de prever seus passos. Bom, ao se dar conta de que eu doaria seus objetos, ele decidirá visitar a sua exposição. E, então, nos reencontraremos. Se precisar da taça de vinho neste dia, você me ajuda a arrumar? Deve ter algum café por lá, não é mesmo?

Espero sua resposta afirmativa. Em caso negativo, vou ser obrigada a doar os frangalhos que restam do meu coração para o seu acervo como última possibilidade.

Um abraço,

Sandra.

7 comentários:

  1. Sandra,

    Como deve ter percebido, não sou grande conhecedor das matérias que se referem ao amor - e por isso cuido de um museu que representa a sua inexistência. Poderia ter escolhido um caminho diferente e iniciando um Museu dos Amores Não Correspondidos; mas das diversas formas de inexistência do amor, nada é mais destrutivo do que um coração partido. No campo material restam as lembranças materializadas em cartas, flores e outros presentes; no emocional ficam os sentimentos espalhados aos cacos pelos cantos da alma. Tudo, no entanto, é colecionável; tudo, portanto, é exibível. Venha e se sente nos bancos do museu. Deixe que o desânimo traído pelo seu olhar sirva de material à exposição. Não guarde esses ombros caídos apenas para si; mostre-os a todo mundo. E quando aquele que te deixou a vir nesta situação, que tenha apenas duas coisas em que pensar – a certeza do que fez, ou o arrependimento pelo que poderia ter feito de diferente.

    No aguardo de sua resposta ao convite,

    O Curador.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. uer delícia ter a oportunidade de ler uma possível resposta do curador! Adorei!

      Excluir
  2. Bela história, belo blog. Sempre um prazer conhecer o mundo pelos textos de outra pessoa.

    PS:Indicação de Michelle Fidelholc

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Jefferson! Ótimo ouvir isso, fico muito contente! Vá comentando e contando o que está achando. Beijos e um ótimo 2013!

      Excluir
  3. Rafaela Ades Carnevale21 de janeiro de 2013 às 16:38

    Me deparo todos os dias com o lixo cibernético, e fiquei muito contente em ler os seus textos, eles fogem do habitual e tem uma mesma ''essência'': de alguém sensível. Fiquei com os olhos marejados, pode ter certeza que vc ganhou mais uma leitora =) Beijinhos Rafa

    ResponderExcluir
  4. Rafaela, que ótimo saber que terei você como leitora! Será uma delícia. Faço os posts com muito carinho, então nada mais gostoso do que ler um comentário como o seu!

    Muito obrigada!

    Beijos

    ResponderExcluir