quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Uma chave

De pijamas do lado de fora do pequeno apartamento, ele avisou em um tom um pouco mais alto para que ela o pudesse ouvir através da porta que o chaveiro já estava a caminho. Vestida para ir trabalhar do lado de dentro, ela suspirou e sentou-se no sofá para esperar. 

Alguns minutos antes, ele havia descido até a garagem para buscar o celular que havia esquecido dentro do carro. Como não encontrava sua chave, pegou a dela, trancou a porta e entrou no elevador. Já na hora de subir, ele que costumava ser bastante coordenado derrubou a chave no poço do elevador. Ela revirou a casa, mas também não conseguiu encontrar a chave dele. Restava-lhes esperar pelo chaveiro.

Dentro de casa, olhando para os seus próprios pés que vestiam uma sapatilha toda estampada, ficou feliz por ele não poder ver sua cara de irritação. Antes do incidente da chave acontecer, já achava que ia se atrasar para o trabalho. Agora, tinha certeza. Já estava imaginando o olhar de reprovação que receberia de seu chefe quando lhe contasse o motivo do atraso. Dificilmente ele acreditaria. Passou os olhos pelo braço do sofá. Por que mesmo tinham escolhido aquela estampa? Era cafona, lembrava algum sofá de uma casa de praia antiga de sua vó que ficava fechada o ano todo para ser usada apenas no ano novo. Respirou fundo e pôde sentir o odor de mofo do sofá de sua avó. Começou a se sentir sufocada pelo cheiro. Estava presa em sua casa e só pensava no mundo que tinha lá fora, nos passeios de bicicleta, nas fotografias de domingo, na cervejinhas servidas em uma mesa na calçada. Até encarar seu chefe parecia mais reconfortante do que ficar ali. Imaginou como sua vida seria se não saisse mais daquela casa. Pensou na casa de praia da avó para afastar o pensamento.

Fora de casa, encarando seus próprios pés que vestiam uns chinelos velhos, ficou imaginando a cara dela de irritação. Deu risada sozinho ao pensar em sua experssão assim que a porta fosse aberta dizendo que seu chefe não gostaria de seu atraso. Ficou imaginando ela esticada no sofá mexendo no seu celular enquanto esperava. Lembrou-se do dia em que compraram aquele sofá e de como apressou-se para arrematar aquele modelo quando ela disse que lembrava um sofá que sua vó tinha para agradá-la. Adorava dar presentes a ela. Começou a sentir o cheiro dela vindo de dentro da casa, aquele do óleo que usava para deixar o ondulado do seu cabelo ainda mais marcado. Tinha toda a liberdade do mundo trancado para fora de casa, mas seu mundo estava lá dentro. Abriria mão dos passeios de bicicleta, das fotografias de domingo e das cervejinhas servidas na calçada para ficar deitado naquele sofá com ela o dia todo. 

O chaveiro chegou, abriu a porta. Os cheiros de mofo e de óleo para cabelos se encontraram pela última vez. Ela decidiu que tinha que ir. Sozinho, alguns dias depois, achou a chave que não haviam encontrado no dia em que ela foi embora caída entre as almofadas do sofá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário