sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O começo do mundo

Tudo indicava que era um dia normal. E seria, se não fosse o último dia do mundo.

Quando seu despertador tocou, ele se levantou imediatamente. Em geral, teria acionado a função soneca mais umas duas ou três vezes. Mas, na data marcada para o fim do mundo foi diferente. A sua pressa nada tinha a ver com alguma pretensão de aproveitar ao máximo o último dia. Ao contrário, ele queria sofrer ao máximo o seu último dia. 

Queria pegar o ônibus irritantemente lotado para chegar já suado no trabalho que não fazia sentido nenhum para ele. Então, queria ficar ouvindo as ideias megalomaníacas de seu chefe, aquela pessoas que tinha certeza que nunca queria se tornar, e não sair para almoçar por estar atolado de trabalho. Depois, queria voltar para casa em um ônibus mais cheio ainda, comer um lanche assistindo a algum programa sensacionalista na TV e adormecer no sofá para finalmente não acordar no dia seguinte com um torcicolo, afinal o mundo teria acabado.

A repetição do sofrimento diário era um martírio, mas a sensação de encará-lo pela última era como estar no paraíso. Por isso, não perderia a chance de vivenciar o que lhe parecia ser uma deliciosa oportunidade.

Mas, não foi. Porque, como ele mesmo sabia, depois de ter acionado duas ou três vezes a função soneca de seu celular, ele acordou com o torcicolo habitual no dia seguinte. A verdade é que nunca duvidou que o mundo estaria igualzinho no dia 22. Mas, enganou a si próprio para, pelo menos por uma única vez, ter um propósito no seu dia, ainda que fosse alcançar o fim do mundo.

Então, já fazia a barba - que havia deixado por fazer no dia anterior imaginando que não tinha razão de se preocupar com questões como esta no último dia do mundo - quando, de repente, percebeu que não poderia mais aguentar aquele incômodo diário sem a perspectiva de fim. Agora que o mundo continuava a ser mundo, não tinha nada a que se apegar na certeza de que seus dias sem razão terminariam. Todas as pessoas que lotavam o ônibus, o seu cansativo chefe, o entregador de lanches, o apresentador do programa de tragédias estariam lá como todos os outros dias. A chance que tinha de abandonar aquela vida seria, então, ele mesmo deixar de estar lá.

A verdade é que tomou mais alguns meses até que ele de fato organizasse a sua vida para deixar todos estes personagens que o assombravam. Mas, foi no dia seguinte ao fim do mundo, que o seu mundo de fato começou a acabar e o novo acabou de começar.

2 comentários:

  1. Excelente!!!!
    Continue com a mente no lugar que ela estiver...

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    1. Obrigada, Vitor! Fico feliz em saber que gostou do post =).

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