segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Asas

Todos os dias antes de sair para o trabalho, deixava uns restinhos de pão no parapeito. Quando voltava, eles não estavam mais lá. Durante os finais de semana, tinha a oportunidade de encontrar os passarinhos que eram seus prováveis visitantes diários. Normalmente, chegavam perto do meio dia. Cantavam alguma coisa entre uma bicada nos farelos e outra. Eram três. Ficava se perguntando se eram os mesmos sempre.

Começou a se apegar a eles. Comprou um bebedouro e instalou em cima da janela. Sentava no sofá, estendia o pé em uma mesa de apoio e ficava observando os três. Eram  pequenos e verdes com alguns detalhes em azul. Não saberia diferenciá-los entre si.. Ficava se perguntando qual era a relação que teciam entre si. Seria aquela uma família de pássaros com pai, mãe e filho? Ou, então, seriam três amigos? 

Montava histórias na sua cabeça de como era o restante das horas de suas vidas. Imaginava os três em um ninho, de noite, dormindo. Quando o sol nascia, voavam juntos emprestando um pouquinho de seu colorido ao cinza de São Paulo. Em determinado ponto do dia, se separavam. Cada um rumava para um canto. Mas, sempre terminavam juntos no ninho.

Às vezes, sentia uma pontinha de medo de que não aparecessem. Quando chegava do trabalho, a primeira coisa que fazia era checar se os farelos haviam desaparecido. Sentia um alívio esquisito quando constatava que os pássaros haviam passado por ali. Mas, afinal, por que voltavam? No fim do dia, de pé dentro do ônibus, voltava para casa pensando nisso. Imaginava que se tivesse asas, não passaria sempre pelos mesmos lugares. Voaria todos os dias sem destino certo, concluía ao caminhar do ponto para sua casa. Quando estivesse enjoada de alguma coisa, abriria suas asas para qualquer outro lugar. Nada de rotina. Era uma pena mesmo ter pernas e não asas. 

Chegou em casa naquela noite e os farelos estavam lá. Eles não tinham vindo. Deviam ter voado para qualquer outro lugar. Sentiu um vazio ao levar a outra metade do pão que havia deixado no café da manhã à boca. Já estava duro. Cantando algum samba qualquer entre uma mordida e outra, aninhou-se em seu sofá e estendeu o pé na mesa de apoio. E foi assim sempre. Eles foram e ela ficou. É uma pena que não tenha percebido que não é preciso ter asas para voar.

2 comentários:

  1. Os pássaros nos mostram que voar e mudar o rumo faz parte do mundo; mas nem sempre percebemos.

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  2. Exatamente! Para voar, a gente não precisa ter asas, certo?

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