quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Pijama de flanelas

"Eu odeio flanelas, sabe? Estou falando tipo destes pijamas flanelados. No dia em que você me contou que a minha mãe havia abandonado a gente, você estava usando um pijama assim. Ele era azul marinho. Pensando melhor, acho que ele era cinza. Agora não me lembro exatamente. Faz tanto tempo. Eu não devia ter nem 10 anos naquela época. O tempo voa mesmo, está completando 20 anos já. 


Naquele dia, você entrou no meu quarto e apertou a minha cabeça contra o seu peito. Lembro como se fosse hoje da sensação gostosa da flanela tocando o meu rosto. Era tipo aquilo que a gente sente quando está quase dormindo, sabe? Estava imerso naquela sensação quando você disse, com a voz seca e os olhos úmidos, que ela não ia voltar. Então, me apertou mais forte ainda contra si, como se a flanela pudesse amaciar a minha dor. Confesso que não entendi o real signifcado da notícia naquele momento. Os dias seguintes não me marcaram muito. Parecia que ela tinha ido viajar. Um dia saiu com suas malas de casa e no outro voltaria, como sempre fazia. De diferente tinha só o fato de que você passou a dormir comigo. Dizia que era por mim, mas acho que quem se sentia só durante a noite era você. 

Foi o tal pijama de flanela que fez a minha ficha cair. Comecei a sentir uma inexplicável irritação quando via você vestido com ele. Sentia receio de que você viesse me abraçar. Não pelo abraço, mas pela flanela. Quando ela tocava meu rosto, sentia um nó esquisito na garganta e não conseguia te falar isso. É claro que entendo, hoje, que não era o pijama que gerava aquele incômodo. Mesmo sabendo disso, não gosto dele. Devia ter te falado isso antes. Na verdade, acho que só me dei conta de tudo isso agora. Sei que você tem ele há anos e, hoje, passa grande parte do dia vestido com ele. Mas, você se importa se eu doar este pijama, pai?"

O pijama foi a forma que encontrou de ter uma conversa que raras vezes tiveram. Aquela foi uma das únicas vezes que falaram abertamente sobre a partida de sua mãe. Seja por isso ou pelo fato do pai ter doado o pijama, depois de lhe abraçar pela última vez vestindo a flanela, o nó de sua garganta, finalmente, se afrouxou.


Um comentário:

  1. "Nunca me senti totalmente feliz, porque me preocupava demais; preocupava-me demais, para que ela pudesse ser feliz. Carreguei sozinho os problemas e pesos de quase oitenta anos de vida – quarenta e nove meus, vinte e seis dela – pois é isso que os pais devem fazer. Chega um dia em que este peso diminui, porque os filhos encontram outro alguém para ajudar a carregá-lo; mas um pouco dele sempre estará sobre você. Quando eles saem de casa, e você resta só, percebe que o tempo possui duração maior que a desejada. Para fazê-lo passar depressa, você pensa; e ao pensar, recorda-se. Na manhã em que Cristina abandonou a menina e eu, não imaginava que pudesse ser capaz de chegar tão longe. Um adulto assustado vestindo pijama de flanelas com uma criança no colo por cuidar. Criança esta que naquele mesmo instante começou a pesar mais que o mundo. O adulto assustado, no entanto, conseguiu sobreviver. Aquele pijama durar mais de vinte anos sempre fora um símbolo de mim mesmo; uma lembrança da batalha perdida, mas ao mesmo tempo, da guerra vencida. Quando Flávia veio me visitar e contou o que o pijama representava para ela, fui eu quem ficou com um nó na garganta. Mas se depois de tantos anos ela criou coragem para dizer tudo o que sentia, eu também poderia criar coragem para agir do modo que parecia ser o mais correto – pois mesmo que seja contra a própria vontade, é isso que os pais devem fazer."

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