domingo, 27 de janeiro de 2013

Sinfonia

A música era o barulho que os vagões faziam ao deslizarem pelos trilhos. Quer dizer, esta era a música que todos podiam ouvir. Havia também as músicas tocadas pelos ipods, mas que apenas eram escutadas pelos respectivos donos dos aparelhos. Era raro passar alguém pela plataforma que não usasse fones nos ouvidos e curtisse a sua própria música. 

Entre uma melodia produzida por um trem e outra, um rapaz se instalou na plataforma. Com seus fones devidamente colocados, poucos notaram a sua chegada ainda que carregase uma grande caixa. Cuidadosamente, abriu a caixa. Como se fosse uma daquelas Mamuskas, sacou, primeiramente, uma caixinha menor de dentro dela que colocou aberta diante de seus pés. Voltou-se novamente a caixa maior e tirou um saxofone. Parecia antigo. Devia ter sido brilhante, agora era fosco. 

Começou a tocar. Sem maestro nem nada, logo afinou-se ao som que os trens faziam na sua sinfonia com os trilhos. Optou por um clássico: Garota de Ipanema. Sem caminho do mar nem nada, embalou o doce balanço de algumas moças e senhoras que por vezes caminhavam apressadas e por vezes se apoiavam em sua bengalas até o trem.

Pouco a pouco, as pessoas na plataforma tiravam os fones de seus ouvidos para ouvir o som que fazia. Vários deixavam algum moeda na caixa menor. Outros, abriam a carteira e depositavam notas mais graúdas. Alguns pés se juntavam a orquestra e, sem querer, passavam a sacudir no ritmo da música. É bem verdade que alguns tinham mais ritmo que outros, mas isso não parecia importar. Nem para os donos dos pés nem para os donos das mãos que batucavam nos livros que levavam.

Foi, então, que um rapaz vestido com um jaleco puxou a moça com quem estava de mãos dadas para perto de si e começou a dançar. Como se a plataforma fosse uma pista de dança, como se a música fosse uma valsa, ele a conduzia ao som do saxofone. Os pés e mãos que batucavam pararam por um instante. Viraram para o casal. Ele rodopiava ela, puxava de novo para perto do peito e rodava mais uma vez. O trem chegou. O rapaz do saxofone continuou. Um passo diferente aqui, um pisão no pé ali. Rodou ela de novo. O trem foi embora sem ninguém embarcar. Ao som do saxofone e seguindo a coreografia do casal, os passageiros decidiram, em um consenso silencioso para não interromper a música, esperar o próximo trem.

E foi assim a manhã em que a vida real teve trilha sonora.

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